Como designer questionários começaram a fazer parte da minha vida no primeiro semestre da facultade mas foi só quando cheguei na pós graduação que compreendi como essa ferramente é mal aproveitada. Digo isso, pois os questionários usados para uma metodologia científica precisam ser pensados em conjunto de como os dados serão tratados, é essencial na ciência compreender a função de cada pergunta, é fundamental compreender o motivo de fazer aquela pergunta, as perguntas são pensadas de acordo com a forma que os dados serão tratados lá na frente, e perguntas erradas geram dados que não podem ser tratados e sem dados não tem pesquisa.
Além disso, quem já fez mestrado ou doutorado sabe que temos o comitê de ética, onde o questionário além de atender aos critérios da pesquisa precisam atender aos requisitos do comitê.
Ou seja, eu tinha que compreender muito bem a função da pergunta e saber como faze-la da forma correta.
E foi nessa relação de academia e mercado que percebi como explorava pouco o potencial que os questionários tem para gerar dados, como os dados que eram coletados eram superficiais e pouco auxiliam nos meus projetos. E fiquei viciada em responder e analisar questionários tanto acadêmicos como os de mercado, para pesquisa de satisfação, para compreender o comportamento etc…
E fico cada vez mais indignada, pois são poucos os questionários pelo qual vejo que eles realmente irão contribuir para algo, a maioria me faz questionar, o que vão fazer com esses dados? Como vão conseguir tratar e interpretar algo disso? Esses dados realmente serão uteis ou servirão apenas como números para induzir uma opinião numa apresentação?
Com isso levantei e fiz uma critica dos principais erros que noto nos questionários e também montei dicas para ajudar a montar um questionário de qualidade.
1. Perguntas que DEPENDEM
Considero que todo pré-teste que tenha perguntas que sejam de assinalar deveriam ter uma caixa com “depende” se as pessoas responderem depende você deve reformular a pergunta pois falta um contexto, uma referência falta alguma coisa para que a pergunta seja útil.
Exemplo: “Você pagaria (escolha um valor) num produto (escolha um produto) por ser (escolha uma característica que você quer trabalhar:bonito, sustentável, produção local, mão de obra local) ?” “Até quanto você estaria disposto a pagar num produto (escolha um produto) por ele ser (escolha a característica)?”
E as respostas para isso não são um sim ou não, elas são um grande depende. Pois tudo depende, depende se eu perceber o valor nisso, depende se for importante, depende se eu gostar, depende se eu tiver dinheiro, depende de muita coisa. Essas respostas podem até contribuir para vender a ideia numa apresentação, mas não levanta dados relevantes, seria mais interessante questionar, por exemplo, O que faz com que você valorize produto (Escolha o produto)? Você pagaria x% mais caro por um produto com essa característica?
2. Perguntas que induzem um resultado
Geralmente em questionários sobre TCC e alguns de pesquisa de satisfação é possível ver que já existe uma resposta para ela, onde o questionário serve apenas para trazer números que confirmem o que o pesquisador ou a empresa quer.
Exemplo:
A equipe de endomarketing tem como objetivo desenvolver uma ação para motivar os colaboradores e resolve fazer uma pergunta: Você gostaria de ganhar um final de semana num hotel fazenda?
É bem óbvio que o resultado da pesquisa confirmará que deve seguir com a ideia, porém o questionário só serve como forma de tentar se blindar caso a pessoa que ganhe tenha votado que não gostaria.
3. Perguntas sem função
Alguns questionários parecem ter um Ctr C+ Ctr V contendo:
Nome, idade, gênero… Entretanto, quando você vai para o restante das perguntas nota-se que tais dados talvez não façam sentido para as respostas que se procura, isso além de dificultar o tratamento dos dados desestimula a pessoa a participar do questionário. A idade hoje é uma das perguntas cada vez menos necessárias nos questionários, pois, o comportamento das pessoas vem se transformando e a idade já não é um determinante e pode até mesmo atrapalhar no desenvolvimento do trabalho por trazer estereótipos que não correspondem a realidade.
4. Perguntas abertas
Perguntas abertas onde permite que usuário de a resposta que ele quiser devem ser tratadas com muita atenção e de forma estratégica, pois as respostas podem atrapalhar no lugar de ajudar no projeto. Além disso deve-se ter total consciência da forma como esses dados serão tratados, pois como permite que a pessoa responda da forma como ela quer não é possível prever quais serão os tipos de respostas. Normalmente essas perguntas são usadas quando se aplica para um número pequeno de pessoas ou busca saber sobre situações de relato que são específicas.
Exemplo:
Se você estiver preparando um jantar para um grupo de 10 pessoas e resolve mandar um questionário para saber qual prato fazer. E no questionário você pergunta a comida favorita de cada um e recebe 10 respostas diferentes, o que você faria com essa informação? Como você escolheria qual prato fazer? Escolheria o prato favorito de uma pessoa e torceria para que as outras gostassem também? É provável que caso você faça isso tenha 9 pessoas insatisfeitas e apenas uma satisfeita, pois mesmo que elas gostem do prato elas podem se sentir frustradas por não serem ouvidas.
Entretanto, a pergunta aberta ajudar muito se no lugar de você perguntar a comida favorita você perguntar quais comidas a pessoa não gosta e suas restrições alimentares, assim você consegue compreender o que não fazer, e mesmo que faça algo que a pessoa não goste ela vai se lembrar que foi ela que esqueceu de dizer que não gostava.
Entretanto, o vídeo da Taís Araujo é uma ótima forma de ilustrar como mesmo perguntas sobre o que a pessoa não gosta de comer devem ser contextualizadas, pois, pode ser que o usuário associe um tipo de alimento com um contexto diferente do que a pessoa que fez a pergunta. Como se tratava de um café da manhã ela não imaginou que poderia ter um prato com abororá que é um alimento que dificilmente seria associado com uma comida para essa refeição. No caso dessa situação como é para uma pessoa o ideal seria colocar os principais ingredientes para saber se a pessoa não come alguns deles.
5. Perguntas sem um referencial:
Noto comum no design questionários estilo Briefing onde se colam perguntas que talvez a pessoa não saiba responder por não serem familiarizadas com os termos, fazendo com que a pessoa possa responder da forma errada acarretando problemas mais para frente.
Exemplo:
Se você coloca no seu questionário qual estilo a pessoa prefere: Minimalista, moderno, contemporâneo, conservador etc.. a pessoa pode não compreender tão bem sobre esses estilos e responder algo pela qual ela não gosta, seria mais interessante trazer exemplos que ilustrem isso como um “qual você prefere?”
6. Perguntas para usuários perfeitos
Questionários para usuários perfeitos
Alguns questionários erram, pois, consideram que as pessoas que vão responder tem total consciência sobre tudo que é questionado, sendo que isso é praticamente impossível, ainda mais quando as perguntas tratam sobre temas delicados e formas de como a pessoa se sente e que precisam de uma autoreflexão sobre. Por isso para esses momentos o ideal é formular perguntas ou formas de questionar que crie uma identificação com uma situação para que a pessoa tenha facilidade de compreender a pergunta e responder.
Exemplo:
Para falar sobre temas delicados como assedio, apenas perguntar se a pessoa já sofreu algum tipo de assédio pode não trazer dados relevantes, pois, é possível que pessoas que já passaram por situações não as identifiquem e também possam ter dificuldade de lembrar de uma situação que sofreu por não querer retomar essa memória, nesses casos é interessante pensar na formulação das perguntas onde não necessariamente use o termo “assedio” e coloque situações comuns de assédio questionando se a pessoa já passou por isso, ou se ela já sentiu algum desconforto com uma situação x.
Todo questionário deve ser questionado
Faça perguntas para as perguntas, todo questionário tem que ser questionado, somente assim ele terá validade, dentre o que identifiquei como perguntas fundamentais para os questionários são:
1. Qual a função dessa pergunta?
Não existe nada que não tenha uma função, o que existem são funções que vão contribuir ou atrapalhar no seu projeto ou pesquisa, portanto é fundamental questionar a função de cada pergunta do questionário para saber se ela vai contribuir ou prejudicar. Além disso, quando se compreende qual a função de uma pergunta é possível repensar outras formas dela ser feita (outras formas de obter os dados) e toma-se decisões de forma consciente sobre a melhor forma dela ser feita.
Outras perguntas que podem contribuir para compreender a função são: O que eu quero obter com isso? Qual o dado eu quero?
Qual a informação relevante?
Isso contribuí para trazer consciência para qual informação/dado eu busco possibilitando pensar em qual a melhor forma de obter ele de acordo com o público e recursos disponíveis.
2. Por que essa é a melhor forma de obter esse dado?
Refletir sobre diferentes formas de obter um mesmo dado contribuí para que a pergunta exerça com a função planejada. Pois, a melhor forma de obter o dado pode depender de diferentes fatores , sendo alguns deles:
Recursos disponíveis
Objetivo do questionário
Público que irá responder
Formato que será aplicado
Uma comunicação assertiva é fundamental para que se tenham respostas de qualidade, dependendo do público que você irá aplicar o questionário é interessante compreender se a linguagem utilizada faz sentido e se conecta com ele.
Exemplos: Uso de imagens para ilustrar conceitos, colocar as questões numa escala com conceitos que não sejam opostos para compreender qual a preferência da pessoa, utilizar termos diferentes para situações que sejam consideradas delicadas.
3 . O que eu vou fazer com os dados? /Como eu vou tratar os dados?
Saber o que você vai fazer e como vai tratar os dados é fundamental antes de lançar e fazer qualquer questionário, se você não tem consciência do que fará com as respostas do questionário, não espere que isso vai acontecer após receber as respostas, pois você não vai. Você pode até saber uma forma de obter um resultado, porém a qualidade desse resultado pode ser questionada.
Por fim, considero que questionários sejam uma ferramenta incrível para coletar dados, entretanto ela ainda é mal aproveitada e esse mal aproveitamento se da pela dificuldade de refletir sobre perguntas, às vezes as respostas que buscamos estão nas perguntas que não fazemos. E saber fazer as perguntas certas é cada vez mais fundamental e poderá ser um diferencial para os futuros profissionais, pois tanto o uso da AI como o uso de ferramentas de pesquisa como o google dependem de perguntas.
Comments